Sumário
Parte I
1. Há saber do corpo?
“e;E, então psicanálise, qual é o seu corpo?”e;
Denise Rocha Stefan
Corpo e objeto
Yolanda Mourão Meira
O corpo e a falta-a-saber
Vera Pollo
O corpo da psicanálise e a falha epistemo-somática
Aurelio Souza
2. Corpo e angústia
A angústia de sermos reduzidos ao nosso próprio corpo
Maria Cristina Vecino Vidal
Entre o gozo e o significante: articulação e corte
Lucia Montes
Da angústia ao sintoma
Cora Vieira
Contornos originais do corpo
Isabela B Bueno do Prado
O nó na garganta
Gilda Vaz Rodrigues
3. O envelhecimento do corpo e o sujeito
Corpo, imagem e tempo
Rossely S Matheus Peres
Psicanálise, velhice e literatura
Jose Carlos de Souza Lima
Considerações sobre psicanálise com idosos
Rochelle Gabbay
Os limites do corpo e a clínica psicanalítica
Edna Barroso Sarmento
4. Corpo e espelho
O espelho de Procusto: corpo, imagem e desejo
Licia Magno Lopes Pereira
Joseléa Galvão Ornellas
O travestismo de Jaime: a ortopedia do corpo de José na borda do espelho
Alex Droppelmann
Tradução: Mauricio Lessa
A pose
Ana Maria Portugal M Saliba
O destino trágico do homem
Sofia Sarué
A alma do espelho
Nilza Ericson
5. Corpo e psicose
O corpo nas psicoses
Eduardo Carvalho Rocha
Francisco L F Fernandes
Valmir Sbano
O corpo da psicose
Agenor Fardin Jr.
Daniela Tomassoni
Henrique Torres Neto
Raquel Virginia Medice
Schreber: um corpo-mulher para Um-Pai
José Marcus de Castro Mattos
Corpo e psicose
André Schaustz
Corpo e objeto na melancolia
Alyne Camargo
Bruno Netto dos Reys
Gilda Maria Gomes Carneiro
Maria Cândida Neves de Lima
Marta Vigio
O corpo – O não-corpo
Raphael de Haro Jr.
O corpo na psicose: um recorte da clínica
Renato R P de Carvalho
Suzi Brum de Oliveira
6. Corpo e pulsão
O traçado significante da pulsão
Leticia M Balbi
Corpo, gozo, estrutura: incidência do gozo no corpo, na neurose e na psicose
Glaucia Nagem
A inscrição do feminino no corpo: de menina a mulher
Fatima Geovanini
A estrutura do ato na experiência analítica
Andréa Bastos Tigre
Arlete Garcia
Diana Mariscal
Glória Castilho
Myriam Fernández
Rosa Xavier
Sofia Sarué
Corporalmente proferível
Maria Lessa de Barros Barreto
Parte II
1. Corpo, arte, literatura
Francis Bacon: um grito suspenso na distorção da imagem
Beatriz Elisa Ferro Siqueira
O “corpo” da arquitetura: entre a função e o desejo
Jorge Mario Jáuregui
Em torno de princesas, escravos e monstros
Maria da Penha Simões
Corpo @ artecontemporânea
Jacinta Ferraz
Não menos que três, do urbano contemporâneo
Eduardo A Vidal
Jorge Mario Jáuregui
Body Art, body modification, l’art charnel
Giselle Falbo
A sangue frio
Lia Amorim
O mal-estar do sujeito na contemporaneidade
Anna Maria Caso de Augustinis
Letra e corpo em Mallarmé
Mauricio de Andrade Lessa
2. Psicanálise, medicina, psicossomática
Do corpo médico ao corpo da psicanálise
Francisco José Bezerra Santos
O corpo na interlocução do saber da psicanálise e do saber da medicina
Dalmara Marques Abla
Maria Regina Augusto de Andrade
Psicanálise e a prática hospitalar com pacientes graves
Marisa Decat de Moura
Sandra Seara Kruel
Desde Freud… no somático, o psíquico
Maria Célia Andrade Oliveira
A indução significante no fenômeno psicossomático
Myriam R Fernández
Corpo e psicossomática
Leila Mariné da Cunha Guimarães
O mal corporal em Freud
Nathália Sabbagh Armony
Apresentação
Eduardo A. Vidal1
O filme Idiotas, realizado conforme a proposta do Dogma 95, traz uma reflexão crítica sobre nossa época, e o faz questionando o poder da imagem através do próprio cinema. Acostumados como estamos a permanecer adormecidos ante a imagem letárgica da mídia, nós, os espectadores, somos interpelados por imagens sujas, de montagem descuidada, cujo objetivo é indagar, sem recuar, a estupidez que nos caracteriza num mundo que exclui tudo aquilo que não corresponde ao ideal do bom funcionamento. O gesto do diretor Lars von Trier é provocativo e desafiante, pois não poupa esforços para incomodar a sociedade – no caso, a dinamarquesa, como paradigma de culturas consideradas desenvolvidas nos níveis econômico e tecnológico – construída sobre uma imagem de perfeição e completude que se sustenta às custas da exclusão de todo rastro de deficiência, deterioração ou caducidade. No contexto dos saberes da contemporaneidade, a psicanálise deve exercer uma função discursiva crítica essencial. Ainda que as condições da emergência do discurso freudiano, surgido há cem anos, tenham mudado no decurso do século, a descoberta do inconsciente, hoje irrefutável, continua a produzir seus efeitos, rasgando, furando, a tendência ao fechamento das práticas discursivas na atualidade. Assim, a economia reinante pretende desconhecer, em nome de uma globalização crescente, a função da mais-valia que rege as relações produtivas de um capitalismo de operações virtuais e sem fronteiras. Os discursos se querem livres apagando as ordens de determinações que os produzem, e promovendo um sujeito sem responsabilidade ante seu próprio ato. Não surpreende, então, que proliferem propostas terapêuticas com a promessa de eficácia imediata para o sintoma social. Mas o real do sintoma persiste, reaparecendo nas formas mais duras da segregação de classes e de etnias.
A psicanálise é uma prática sustentada num discurso cuja afetividade não se limita à intervenção clínica, mas se verifica também em sua extensão aos saberes com os quais mantêm uma necessária interlocução. Os fundamentos de sua teoria possibilitam estabelecer a lógica do sintoma com a qual se atinge o real de sua determinação. Sem nos apressarmos a propor modos de intervenção nas múltiplas formas que o sintoma adota na modernidade, podemos afirmar que ele está enraizado na imagem de nosso corpo. Uma crítica ao mundo da imagem que nos captura não supera o plano da denúncia, se não levar em conta a função estrutural da imagem na constituição do sujeito. Freud concluiu que o eu não é um dado inicial do homem, mas o resultado de uma complexa construção, cuja mola é o narcisismo em que ele ama sua imagem como seu bem mais precioso. O homem depende profundamente da imagem, pois é com ela que faz seu corpo. O corpo da psicanálise não é o dos órgãos nem o da carne. O corpo resulta da imagem que se configura como totalidade antecipada, sobrepondo-se à carência e ao desamparo do recém-nascido. A imagem terá sempre a função de suprir essa carência e guardará a marca da primeira dependência do Outro permanecendo irredutível na alienação do sujeito. Cabe a cada um confrontar-se com a estupidez – não acidental mas estrutural – que lhe é própria, devido ao enraizamento do pensamento na imagem do corpo. Pela via da análise crítica, podemos proceder à desmontagem da imagem e localizar, de modo topológico, a função da borda da pulsão. Com o nome de pulsão, Freud introduz na teoria a questão do gozo do corpo (o corpo goza). Esse goza na superfície e nas bordas chamadas erógenas, goza com partes do corpo do outro. Esse gozo de difícil apreensão na palavra não se comunica e, mesmo na relação sexual, o sujeito faz a experiência de sua solidão. Lacan é o psicanalista que fez avançar a psicanálise na direção de uma abordagem do gozo. Reconhece que os corpos são falantes e gozam porque falam, o que não significa que tenham algum acesso ao gozo pela palavra, pela representação ou pela ideia. O gozo implica numa dimensão do real como impossível. Entre os corpos, e apesar da aparência, não há relação que possa ser estabelecida, mas há produção, a começar pelo filho fruto da relação sexual. Os corpos são tomados nas relações de produção seja no trabalho, seja na sexualidade. Há uma homologia entre a mais-valia, a parte não paga do trabalho e acumulada como capital, e o mais-de-gozar, o resto perdido e separado do corpo, condensador de gozo, que a psicanálise localiza em pedaços do corpo erógeno: o seio da mãe, as fezes da criança, o olhar e a voz do Outro. Cabe assinalar que o corpo do Outro só é abordado em pedaços, nunca como um todo; goza-se com as part